quinta-feira, 10 de junho de 2010

CORAÇÃO COMPUNGIDO E CONTRITO

Publicado no boletim nº2502 em 06 de junho de 2010.
Uma das marcas do nosso tempo é o abandono do temor a Deus. Temor é uma palavra que a cultura contemporânea excluiu do dicionário. No lugar dela, cresce a busca pela autoconfiança. Uma vez que não temos nenhum referencial fora de nós, assumimos que somos nosso próprio deus. Num mundo assim, não existem limites ou fronteiras. Tudo é possível, permitido e aceitável. Surge então um desequilíbrio perigoso.
A oração do rei Davi no Salmo 51 é uma das pérolas da Bíblia. Não posso imaginar a vida sem essa oração, que nos conduz às profundezas da alma humana. Encontramos nela o espelho dos movimentos mais profundos de nossas emoções. Ela descreve a anatomia da alma humana e demonstra um equilíbrio maduro entre o temor a Deus e uma autoestima saudável.
O contexto é bem conhecido. Trata-se do terrível adultério do rei Davi com Bate-Seba, seguido da trama para matar seu marido, Urias. O plano perverso de Davi acontece. Depois da morte de Urias, ele se casa com Bate-Seba e o filho nasce. Porém, Davi não consegue conviver em paz com seu pecado. Graças a Deus por isso. Ele tentou esquecer, remendar, mas nada adiantou. Seu corpo começou a sentir o peso do pecado. Por mais que a cultura moderna nos tente convencer que o pecado não existe, seus sinais estão por toda parte. Não havia sacrifício para o pecado de Davi, já que o crime que cometeu fora premeditado. É por isso que ele diz: “Pois não te comprazes em sacrifícios; do contrário, eu tos daria; e não te agradas de holocaustos”. Davi então entende que o sacrifício com o qual Deus se agrada é um espírito quebrantado e um coração compungido e contrito. Pouca coisa descreve melhor a necessidade humana do que essa declaração. Algumas razões:
Um espírito quebrantado e um coração contrito nos conduzem à realidade sobre quem somos. Observe os pronomes usados por ele: “minhas transgressões; minha iniquidade; meu pecado; eu pequei contra ti; eu fiz o que é mau, eu nasci na iniquidade”. Davi tem consciência de quem ele é. Isso nos ajuda a parar de jogar e brincar com a vida -- a nossa e a dos outros. Por causa desse coração e espírito, ele assume seu erro e pecado. Não busca justificar seu erro com o erro dos outros, com aquelas desculpas conhecidas: “todo mundo faz o mesmo”, “não tive escolha”, “fui pressionado”. Ele não diz que foi “consensual”. Adultério é adultério, mesmo sendo consensual. Ele sabe que sua ofensa atinge primeiramente a Deus: “Pequei contra ti, contra ti somente, e fiz o que é mal perante os teus olhos; esconde o rosto dos meus pecados; não me repulses da tua presença, nem me retires teu Santo Espírito”. É a Deus que ele ofendeu, antes de Bate-Seba e Urias. É isso que o temor a Deus produz.Essa oração nos conduz também a uma compreensão real sobre Deus. Veja a forma como ele se refere a Deus: compaixão, benignidade, misericórdia, amor, justiça, santidade. Ao pedir para ver a glória de Deus, Moisés ouviu a seguinte resposta: “Farei passar toda a minha bondade diante de ti... terei misericórdia e compaixão”. Davi volta-se para essa revelação, para o amor eterno, amor da aliança. É nesse amor que ele se apega. É nessa compaixão que ele deposita sua confiança.
É uma oração que nos conduz a um milagre. Encontramos nela afirmações enfáticas: “Purifica-me, lava-me, faze-me ouvir júbilo e alegria, cria em mim um coração puro, renova dentro em mim um espírito inabalável, apaga as minhas transgressões, restitui-me a alegria da salvação, sustenta-me com um espírito voluntário, livra-me dos crimes, abre meus lábios”. Ao suplicar pelo milagre de um coração puro, Davi usa a mesma palavra de Gênesis 1: Deus criando a partir do nada. Somente ele pode criar uma nova realidade, uma nova criação. É exatamente o que Jesus veio fazer: “Eis que faço novas todas as coisas”.
Deus não despreza um espírito quebrantado e um coração contrito. É somente com um temor sincero para com ele que podemos desenvolver uma compreensão clara sobre nós. É essa atitude que torna possível ao ser humano construir uma autoconfiança saudável.

Ricardo Barbosa de Sousa,
Pastor da IP Planalto (Revista Ultimato)

Nenhum comentário: