sexta-feira, 5 de setembro de 2008

SOBRE PÁTRIA E EXÍLIO


Publicado no Boletim nº 2411 de 07 de setembro de 2008.



Era 1969, uma noite européia. Havia pouco tempo, o homem pousara na lua. O jovem Toquinho chegou à casa de Chico Buarque, carregando seu violão. Ambos estavam já há vários meses, vagueando entre a Itália e a França, num exílio auto-imposto pela situação complicada que reinava no Brasil. Toquinho mostrou sua nova composição, um samba cujas notas cantavam a saudade da pátria distante. A letra de Chico se encaixou perfeitamente. "Beija o meu Rio de Janeiro, antes que um aventureiro lance mão." A canção chamar-se-ia "Samba de Orly". Eram duros os tempos do exílio.


O sentimento de estar longe da pátria sempre foi um tema especial para as expressões artísticas. A distância colore traços que, antes, passavam desapercebidos. Quem não se lembra da famosa "Canção do exílio", de Gonçalves Dias? "Minha terra tem palmeiras, onde canta o Sabiá; as aves, que aqui gorjeiam, não gorjeiam como lá." Quando se está longe da terra natal, tudo se torna lembrança, memorial, símbolo, sacramento das experiências vividas no lugar onde se nasceu. O exílio é viver em duas pátrias ao mesmo tempo. Com o corpo, vive-se a realidade do país distante; com o coração, vive-se a saudade da terra deixada para trás, adornada pela esperança do retorno.


Nós, cristãos, vivemos também o nosso próprio exílio. Como Jesus Cristo ensinou, vivemos neste mundo, mas não somos daqui (João 17.11-18). Aqui, nesta terra, nascemos, crescemos, choramos, sorrimos, amamos, vivemos. Aprendemos a amar este lugar. Passamos a nos entender e nos ver no mundo como cidadãos deste país. Como brasileiros. Somos capazes de parar tudo diante de uma partida de futebol. Já nascemos reconhecendo a cadência bonita do samba. Somos índios e negros e brancos, num cadinho de raças. Somos brasileiros. Mas não somos daqui. Estamos em nosso próprio exílio.


É por isso que a imagem pintada por Pedro nos cai tão bem. Somos os forasteiros, eleitos, mas dispersos por todo o mundo (I Pedro 1.1). Estamos aqui, mas não somos daqui. Habitamos este país, entranhando-nos de uma brasilidade tão intensa que não nos podemos (nem queremos) enxergar de outro modo. Mas esta não é a nossa pátria original nem derradeira. "A nossa pátria está nos céus, de onde aguardamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo" (Filipenses 3.20). Lá está o nosso coração e, por isso mesmo, lá está o nosso tesouro.


Hoje, dia da pátria, é tempo de pensar nesta nossa condição forasteira. Tempo de curtir o exílio. Experimentar a saudade do jardim e intensificar a esperança do retorno. Viver nesta terra, amar esta terra, mas desejar ardentemente a nossa pátria do coração, o Reino de Deus, de quem somos embaixadores. Desejar o que não vimos, mas aquilo com o que sonhamos. Como diz o texto bíblico: "os que falam deste modo demonstram estar procurando uma pátria" (Hebreus 11.14). Procuramos, sonhamos com esta pátria. E quando finalmente o Senhor restaurar a nossa sorte, sonho e realidade serão uma só coisa. E aí, então, sorriremos pra sempre as lembranças do exílio que se foi.



Rev. Christian Bitencourt

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